A figura do feminino está presente na sociedade desde os primórdios da civilização, na Bíblia, o livro originário da civilização cristã, no Gênesis, capítulo que narra a criação do mundo, a mulher já tem sua imagem sendo construída como também sua posição no contexto social.
No capítulo 2, Gênesis, da Bíblia, versículo 18, coloca-se uma explicação para a existência, para a criação da mulher : (...) E Deus disse: não é bom que Adão esteja só. Far-lhe- ei uma adjuvante apropriada. (...) , e assim criou Eva, a mulher, a partir da costela de Adão. A partir da parte de um homem a mulher foi criada, traçando-se assim o seu primeiro lugar na sociedade, o de um ‘anexo’ ao homem, alguém que deveria acompanha-lo e não deixar com que se sentisse sozinho.
Depois de algum tempo, a mulher passou a ocupar o papel de esposa, de mãe,de dona de casa e foi construída toda uma imagem que associava toda mulher a uma boa mãe e a imagem de mãe a de uma doce mulher.
>>>Nader(1997) coloca:
(...) por tradição histórica, a mulher teve a sua vida atrelada à família, o que lhe dava a obrigação de submeter-se ao domínio do homem, seja seu pai ou esposo. Sua identidade foi sendo construída em torno do casamento, da maternidade, da vida privada- doméstica e da natureza à qual foi ligada (NADER, 1997, P. 59)
>Nesse contexto, a mulher ocupou sempre o lugar de obediência ao seu marido e a ela sempre foi atribuída uma inferioridade com relação ao homem, acreditava-se que a mulher era incapaz de exercer qualquer tipo de atividade diferente das atividades domésticas e do cuidado com os filhos, acreditava-se que estas atividades faziam parte da natureza da mulher, estavam intrínsecas ao ser mulher.Desta forma, legitimava-se a superioridade do homem e se assegurava o poder dado a este desde a criação do mundo.
Com o tempo, esse papel de esposa, mãe, companheira submissa ao homem, vai sofrendo mudanças. No Brasil Colônia, as mulheres ocupavam essa posição, eram criadas para
casar e terem filhos e a única finalidade do casamento era a procriação. Casava-se por acordos familiares de interesses mútuos e a função do casamento era a de gerar grandes famílias, em que a mulher era responsável por toda a organização.
As mudanças do mundo e as mudanças na sociedade trouxeram a possibilidade de questionarem seu papel e de se posicionarem como um sujeito com desejos e necessidades, uma pessoa em sua subjetividade. Assim, foi se desconstruindo uma imagem da mulher delicada e doce sempre submissa e a espera de seu marido. Aos poucos as mulheres foram traçando novos caminhos e dando novas configurações ao seu papel, ao ser mulher.
Com o tempo foi se desconstruindo a ligação biológica, sexo feminino/mulher/sexo frágil e com os estudos de Gênero, e o uso político do termo para as lutas contra as desigualdades sociais e desnaturalização das verdades, as mulheres puderam se engajar na luta por uma identidade desvinculada de verdades pré-construídas.
Nesta luta, as mulheres passaram a buscar fora da proteção do lar novos sentidos para a sua vida. Começaram a exercer a atividade profissional e a buscar seus direitos como cidadãs. O trabalho feminino foi conquistado fora do contexto doméstico e as mulheres passaram por uma evolução no seu papel social.
> Com o advento do Capitalismo (séc XVIII –XIX), surgiram as primeiras fábricas e as mulheres passaram a ter representatividade como força de trabalho e assim a viver uma dupla jornada, pois sua entrada no mundo do trabalho não anulou as atividades domésticas e nem os papéis de mãe, de esposa, destinados a ela.
Elas também passaram a lutar por seus direitos, pela regulamentação das leis trabalhistas e segundo Del Priore(1997), após várias lutas elas conseguiram alguns direitos como : o salário, o direito a licença maternidade, melhores condições de trabalho, o voto e o reconhecimento como cidadãs.
>A onda feminista dos anos 60 contribuiu para o surgimento de pesquisas históricas sobre mulheres, havendo portanto contribuições recíprocas entre a história de mulheres e o movimento feminista, que foi o precursor da busca pela independência feminina e pela busca de seu lugar na sociedade. Esses movimentos possibilitaram às mulheres mostrarem suas capacidades e potencialidades antes reservadas ao contexto doméstico.
>>>> Nader(1997) coloca:
(...) se antes o espaço doméstico era tido como naturalmente feminino e a mulher sustentada pelo homem, agora são as mulheres que detêm grande parte do controle sobre os recursos familiares e desempenham um papel fundamental na vida econômica da família(...) o tratamento dado ao trabalho fora de casa passou a ser para a mulher o sinal concreto de sua emancipação.(NADER,1997,p.132)
Nesse mesmo contexto histórico, ocorre uma revolução sexual, a sexualidade feminina passa a ser reconhecida. O prazer feminino tem sua existência reconhecida com o romantismo e com as transformações dele advinda. O tabu social da virgindade cai e um novo tipo de casal passa a surgir, com uma sexualidade aceita e trabalhada, em que o homem passa a ficar mais atento à sua mulher e se coloca a questão da sexualidade como exigência para continuidade da relação.
A descoberta da pílula anticoncepcional, na segunda metade do séc XX, marcou o fim do controle masculino sobre a sexualidade feminina. As mulheres descobriram o prazer do sexo e como Badinter(1986) coloca, a confiança recíproca passou a substituir o controle e a repressão.
A sexualidade se separa então da procriação e as mulheres passam a uma posição de sujeito desejante com necessidades a serem satisfeitas.
A mulher, em épocas anteriores, precisava da união conjugal como uma forma de se estabelecer e se sentir realizada, pois o casamento representava a segurança e a respeitabilidade, o casamento lhe conferia identidade.
Com o romantismo, o casamento passa então a se firmar na escolha mútua; deve –se casar com quem se entenda bem. Surgem as declarações de amor entre os casais e o afeto passa a ser expresso pelas pessoas. Pode-se vivenciar o prazer e falar de sexo com tranqüilidade, linguagem e consciência vão se libertando.
>>>>A partir disso Badinter(1986) coloca:
(...) posse do mundo exterior, as mulheres põem fim a divisão sexual dos papéis, e à oposição milenar entre a vida no lar que outrora lhes era reservada, e a vida profissional que pertencia obrigatoriamente aos homens. Enquanto que na sociedade patriarcal, a mulher é mãe em primeiro lugar, responsável pelas tarefas de sobrevivência e pelo poder doméstico, a nova sociedade, ao embaralhar os papéis da mulher, atenta contra uma das mais antigas características masculinas.(BADINTER,1986, p.193/4)
(...)as certezas não faltavam. Ela dava a vida e ele a protegia. Ela cuidava das crianças e do lar. Ele partia para a conquista do mundo e guerreava quando necessário. Essa divisão das muitas tarefas tinha o mérito de desenvolver em cada um características diferentes, que contribuíram, com muita força, para formar o sentimento de identidade (BADINTER,1986, p.13)
A partir disso, podemos compreender a formação da identidade feminina, que se deu de forma negativa, em um papel de subordinação ao homem. Esta identidade foi construída por muito tempo e de diversos pontos de vista, seja do ponto de vista cultural que definiu um campo específico para sua atividade, seja do ponto de vista religioso que diz que esta foi criada a partir da costela de Adão e assim a identifica como um subproduto do homem, ou da visão biológica que a define como inferior por sua força física, todas estas visões submeteram a
mulher por muito tempo a esse papel de subordinada e a fizeram aceitar a posição de inferioridade na sociedade.
>>>>> Sobre a identidade da mulher, Carneiro(1994) coloca:
(...)um projeto em construção que passa(...) pela montagem destes modelos introjetados de rainha do lar, do destino inexorável da maternidade, da restrição ao espaço doméstico familiar e o resgate de potencialidade, abafado ao longo de séculos de domínio da ideologia machista e patriarcal.(CARNEIRO,1994,p.188)
É importante ressaltar que as mudanças no papel da mulher e na construção de sua identidade ocorrerem a partir de um processo, em que a mudança de valores está atrelada a uma mudança nos papéis, na família, na feminilidade e na masculinidade. Mudanças políticas que possibilitam um novo olhar sobre as relações de gênero e sobre as construções de identidade na nossa sociedade.
Este processo é lento e angustiante e não linear em todos os aspectos, o passado não é totalmente deixado para trás e é ele que concretiza o presente e dá alicerce para o futuro. Estas mudanças refletem em todos os setores da sociedade e assim também na arte, na visão que os artistas tem sobre as mulheres e na representação do feminino para os artistas de cada época.